segunda-feira, 1 de agosto de 2011

Loucura ou psicose?

         Loucura é um nome popular carregado de discriminação e de falsos medos. O nome científico é psicose. Há vários tipos de psicoses que se apresentam com vários graus de intensidade e, conseqüentemente, com vários níveis de superação.
         O medo de enlouquecer sempre perturbou o ser humano. O fato de perder o juízo, não discernir a realidade, desorganizar o pensamento, romper com a consciência de si mesmo e do mundo angustia milhões de pessoas de todas as eras e todas as sociedades.
         O diagnóstico pode ser útil para os psiquiatras, mas podem tornar-se um cárcere para os pacientes.
         Foucault escreveu a História da loucura na Idade Clássica. Esta obra mostra as raízes antropológicas pela qual se classifica um indivíduo como louco. A psiquiatria formatou essa classificação e marginalizou todos os comportamentos que se afastavam dos padrões de comportamento universalmente aceitos em uma sociedade. Muitos erros foram cometidos, muitas pessoas foram tachadas como loucas apenas por ter comportamentos que fugiam ao trivial.
         Classicamente loucura é toda desagregação duradoura da personalidade que foge aos parâmetros da realidade. São psicóticas as pessoas que se sentem perseguidas por personagens reais, como generais que deflagram guerras, soldados que torturam, policiais que matam, políticos que controlam, o que são? São psicóticas as pessoas que têm delírios de grandezas, que acham que são Jesus Cristo, Napoleão, Buda. Mas e os mortais que se sentem deuses pelo dinheiro e poder que possuem, que não se importam com a dor dos outros, são o quê? Há uma loucura racional aceita pela sociedade e uma loucura irracional condenada por ela.
         A filosofia tem milênios de existência. A psiquiatria tem pouco mais de um século. Ela teve avanços impressionantes, mas ainda está na sua adolescência e, como a maioria dos adolescentes, a psiquiatria tem um comportamento prepotente. É uma ciência importante, mas não é uma ciência madura. Falta-lhe humildade para compreender o mundo insondável da psique humana.
         Muitos filósofos discorreram sobre a metafísica, como Aristóteles, Agostinho, Descartes, Spinoza. A metafísica é uma área da filosofia que discursa sobre a alma humana, afirmando que ela ultrapassa os limites estritamente físicos do cérebro. Descartes, seduzido pela metafísica, a considerava como objeto primeiro do mundo das idéias. Kant a submeteu aos limites da razão. Todavia a metafísica sofreu debates e críticas acaloradas a partir do materialismo de Nietzsche, do determinismo histórico de Hegel, do marxismo, do existencialismo de Sartre, do positivismo lógico. Assim, deixou de ser debatida.
         Numa sociedade materialista, lógica, pragmática, encarcerada pela matemática e fascinada pela computação, a metafísica foi quase aposentada como objeto de discussão científica.
         - Somos apenas um cérebro sofisticado que tomba numa sepultura para não ser mais nada? Nossa história se esgota nessa breve existência? São débeis os bilhões de seres humanos ligados a milhares de religiões que crêem numa vida que transcende a morte? O intelecto humano é apenas um computador cerebral? Não creio. Eu creio que o mundo bioquímico do cérebro não pode explicar completamente as contradições dos pensamentos, o território das emoções, os vales dos medos.
         A vida é um ponto de interrogação. Cada ser humano, seja ele um intelectual ou iletrado, é uma grande pergunta em busca de uma grande resposta...
         O tamanho das perguntas determina o tamanho das respostas. A filosofia perguntou muito ao longo de milênios, e a psiquiatria, por ser jovem, perguntou pouco e respondeu rápido. Quem responde rápido corre riscos enormes.
         Os psiquiatras têm um poder que nenhum ser humano jamais teve na história. Os reis e ditadores tiveram armas para ferir o corpo e aprisioná-lo. Os psiquiatras têm medicamentos que invadem o inconsciente, um lugar onde nascem as idéias e as emoções. Um espaço jamais penetrado, que nem os próprios psiquiatras conhecem.
         O cérebro precisa de medicamentos, mas a alma precisa de diálogo. Todavia, quando somos rotulados como psicóticos, raramente alguém reconhece que temos um mundo complexo com necessidades intrincadas. Criamos monstros em nossas crises e temos de conviver sozinhos com eles. Raramente alguém quer reparti-los conosco.
         Nós criamos nossos monstros, nossos medos, inseguranças, pensamentos mutiladores, mas raramente encontramos pessoas dispostas a dividi-los.  Os gênios e os psicóticos sempre estiveram próximos, sempre foram incompreendidos. Freqüentemente a solidão os envolveu.
         No fundo, todos somos abraçados por alguns tentáculos da solidão. Alguns falam muito, mas se calam sobre aspectos íntimos de suas vidas. Uma dose de solidão estimula a reflexão, mas a solidão radical estimula a depressão.          Quando o mundo nos abandona, a solidão é tolerável; mas quando nós mesmos nos abandonamos, ela é insuportável.

Do livro : O Futuro da Humanidade de Augusto Cury

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